quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Desenvolvimento Inicial em Peixes

Fertilização

1. Organização do Ovo:

O córion do ovo de teleósteos tipicamente possui uma única micrópila. Essa estrutura identifica o polo animal e é um marcador conveniente da polaridade do ovo. Ao contrário dos teleósteos, ovos de peixes Acipenseridae (Chondrostean) são circundados por um envelope multicamada que apresenta várias micrópilas. Em esturjão (Acipenser tranasmontanum Richardson), p. ex., podemos encontrar de 3 a 15 micrópilas localizadas no polo animal do ovo (HARI, 1990).
A micrópila é uma modificação localizada do córion e sua topografia geralmente parece ser bastante similar entre os ovos dos teleósteos. Ela consiste de uma depressão periférica ou vestíbulo que é contínuo com um canal micropilar interno. Ovos completamente crescidos, porém fisiologicamente imaturos da maioria das espécies de teleósteos parecem ser compartimentalizado em uma massa central de vitelo e uma camada periférica de ooplasma conhecida por citoplasma cortical ou córtex (HARI, 1990). É através do canal micropilar que o espermatozóide (SPZ) entra no ovo.

2. Fusão dos Gametas:

Os SPZ de Teleósteos tais como dos gêneros Salmo, Oryzias e Brachydanio não apresentam acrossomo. Consequentemente, a fusão ocorre diretamente entre a membrana plasmática do SPZ e a membrana plasmática do oócito (OOC).

3. Respostas do Ovo à Fusão com o SPZ:

O processo de exocitose de grânulos corticais (GC), a elevação do córion e subsequente formação do envelope de fertilização entre outros eventos menos conhecidos na superfície do ovo fertilizado constituem a reação cortical. A reação cortical é a primeira resposta visível do ovo após sua fusão com o SPZ. Uma consequência importante da exocitose desses grânulos é uma alteração estrutural dramática na composição tanto do córtex como da membrana plasmática.
A liberação dos GC exerce um efeito osmótico considerável no córion. Água e eletrólitos movem-se através do córion em direção do espaço perivitelínico. Esse influxo incha os conteúdos do espaço perivitelínico e eleva sua pressão hidrostática interna, forçando o córion elástico, mole, a se separar da superfície do ovo. Por outro lado, o surgimento do espaço perivitelínico parece estar associado a uma redução no volume do ovo ativado.
Logo após um curto período após a fertilização, os ovos de teleósteos sofrem transformação acentuada: absorvem água, aumentam de peso, o córion endurece e torna-se inelástico e resistente.

4. Bloqueio à Poliespermia:

Entre os peixes teleósteos, bem como em Ciclóstomos e “Acipenseridae” apenas um SPZ entra no citoplasma do ovo. Porém, em outras espécies de peixe tais como tubarões e quimeras, ocorre entrada de mais de um SPZ no citoplasma do ovo (poliespermia fisiológica). Supõe-se que a garantia da monoespermia depende de um córion intacto ao redor do ovo. Claramente, a presença do córion por si só reduz a colisão de vários SPZ com a superfície do ovo. Se o córion for removido de ovos não fertilizados e os ovos nus forem, em seguida, inseminados, ocorre poliespermia, como observado em “dog salmon”, arenque, medaka e truta. A própria micrópila também participa no bloqueio à poliespermia (bloqueio mecânico).
Bloqueio à poliespermia em Teleósteos também pode ser mediado via modificações da superfície do ovo no local de entrada do SPZ e pela secreção de substâncias que influenciam o comportamento do SPZ.






Clivagem (segmentação) e Formação da Blástula em Ovo de Peixes:


A clivagem em ovos de teleósteos é do tipo meroblástica discoidal (MARQUES et al., 2008; SUBRAMANIAN et al., 2009). O embrião se forma do blastoderma superficial. Interposto entre o blastoderma e o vitelo encontramos uma camada sincicial protoplasmática, o periblasto, através do qual nutrientes devem passar do vitelo para o blastoderma (LENTZ; TRINKAUS, 1967). O blastoderma e o periblasto estão confinados ao polo animal durante a clivagem e estágio de blástula e, em seguida, durante a gastrulação, o blastoderma se espalha sobre a grande esfera de vitelo até cobrí-la completamente (LENTZ; TRINKAUS, 1967). Gradualmente, o blastoderma monoestratificado transforma-se em uma estrutura de três camadas: camada envolvente, blastômeros profundos (células profundas) e periblasto (camada sincicial de vitelo) (Figura 1).
Após a blástula ter se dividido em algumas centenas de células, ela se achata e se espalha por sobre a célula de vitelo em um movimento extenso denominado epibolia.






Figura 1. Esquema do processo de clivagem em ovo de peixe Teleósteo.

Em peixe-zebra (Brachydanio rerio) normalmente as cinco primeiras clivagens são quase verticais quanto à orientação e se alternam em ângulos retos uns aos outros. A 6ª clivagem é horizontal. As clivagens permanecem relativamente sincrônicas até a 11ª ou 12ª divisão (KIMMEL; LAW, 1985).
Na maioria dos peixes Teleósteos (e.g., Crenilabrus trinca, Fundulus heteroclitus, peixe dourado, enguia etc.) todas as quatro divisões iniciais de clivagem são meridionais. Disso resulta um blastodisco com 2, 4, 8 e 16 células (blastômeros), respectivamente, organizadas em uma única camada celular (YAMAMOTO, 1981).
Em medaka (Oryzias latipes) os dois blastômeros resultantes da 1ª clivagem são altamente esféricos porém, tornam-se relativamente achatados um pouco antes da 2ª clivagem (IWAMATSU, 2004).
De um modo geral, os peixes teleósteos apresentam ovo telolécito (MARQUES et al., 2008).


Gastrulação

Na gastrulação surge um pequeno espessamento na periferia da blástula denominado anel embrionário, sendo esse espessamento mais acentuado onde será a extremidade posterior do embrião fazendo surgir o lábio dorsal do blastóporo (LDB) (Figura 2). Células do blastoderma multiplicam-se e movem-se para as extremidades do anel embrionário num processo denominado de epibolia. Algumas dessas células entram pelo lábio dorsal do blastóporo por um movimento denominado involução. Na epibolia as células blastodérmicas recobrem o vitelo.
De acordo com WARGA e KIMMEL (1990) a gastrulação em peixe-zebra envolve três movimentos celulares: epibolia, involução e extensão convergente. A epibolia inicia-se enquanto o blastoderma começa a se achatar e expandir. Esse achatamento é parcialmente dirigido pelas intercalações radiais dirigidas de células que se localizam mais profundamente para uma posição mais superficial do blastoderma (HO, 1992). Esses rearranjos celulares, associados a alterações na forma celular que ocorrem na célula de vitelo fazem com que o blastoderma se torne delgado e se espalhe ao redor da célula de vitelo em uma direção vegetal. Esses movimentos de epibolia continuam até o fim da gastrulação quando o blastoderma envolveu completamente a célula de vitelo. A involução se inicia quando o blastoderma cobre, por epibolia, 50% a célula de vitelo.
Durante a epibolia em embriões de peixe-zebra, que começa no estágio de blástula tardia aproximadamente 4 horas após a fertilização, o blastoderma torna-se delgado e se espalha para cobrir completamente a célula de vitelo. A gastrulação começa aproximadamente após uma hora de iniciado a epibolia. O blastoderma, uma camada multicelular simples de células, reorganiza-se em uma estrutura constituída por duas camadas: uma camada mais superficial, o epiblasto, e uma mais interna, o hipoblasto (WARGA e KIMMEL, 1990).
Enquanto os movimentos de epibolia trazem a margem do blastoderma para o equador da célula de vitelo, os movimentos morfogenéticos da gastrulação se iniciam. Em peixe-zebra a gastrulação ocorre à medida que células da camada profunda vegetal ao redor da margem do blastoderma involuem por baixo da margem em direção da superfície da célula de vitelo subjacente. Após as células involuírem, elas migram da região marginal utilizando como substrato ou a superfície da célula de vitelo ou as células circundantes. Este movimento de involução em conjunto forma um “anel germinal” (ou anel embrionário) bicamada constituído por uma camada de células circundantes, o “epiblasto” e uma camada interna, o “hipoblasto” (HO, 1992) (Figura 2). É nesse anel germinal que surge o hipoblasto, por involução (GEVERS e TIMMERMANS, 1991). Durante a involução células mesendodérmicas presuntivas separam-se do epiblasto. Os primeiros sinais de internalização celular tornam-se evidentes por um espessamento do blastoderma numa banda circunferencial nas suas margens, normalmente denominada anel germinal. Movimento ativo de células em direção à margem do blastoderma leva ao espessamento do anel germinal (Vide Figura 2). Uma vez alcançada a margem, essas células movem-se internamente da camada blastodérmica mais externa em direção da superfície da célula de vitelo (HEISENBERG; TADA, 2002). Uma vez internalizadas, essas células mesendodérmicas bruscamente mudam sua direção do movimento após alcançar a superfície do vitelo e migram ativamente em direção do pólo animal. Independente do destino real, as células do anel germinal que se internalizam são denominadas de células hipoblásticas e as que não se internalizam são denominadas células epiblásticas (MONTERO et al., 2005).










Figura 2. (a) Gastrulação em embrião de teleósteo. As setas cheias representam a epibolia e a seta vazada representa a involução. (b) Continuação. O retângulo tracejado indica o anel germinal (Baseado em WOOD e TIMMERMANS, 1988). SC= cavidade subgerminal; DC= células profundas. Nesse estágio as DC que mantêm contato com a YSL estão localizadas ao redor do anel germinal.













Neurulação

A neurulação em peixes teleósteos difere em alguns aspectos em relação à neurulação nos outros vertebrados. Inicialmente, como nos outros vertebrados, o ectoderma se espessa e forma a placa neural (PN). Porém, diferente dos outros vertebrados, não surgem pregas neurais óbvias e, ao invés de se formar um tubo com um lúmen, forma-se uma estrutura compacta denominada quilha neural que, por fim, separa-se do restante do ectoderma não-neural (epiderme presuntiva) formando um tubo (bastão) celular compacto. Posteriormente, esse tubo sofre cavitação dando origem ao canal neural (neurocele) (SCHMITZ; PAPAN; CAMPOS-ORTEGA, 1993 (Figura 3).



Figura 3. Neurulação em Peixe Teleósteo (Modificado de STRÄLER, U.; BLADER, P. Early neurogenesis in the zebrafish embryo. FASEB J 8: 692-698, 1994).
A placa neural surge de três populações celulares: duas laterais e uma mediana. A população mediana localiza-se acima da notocorda e as laterais localizam-se ao lado da população mediana. As células das populações laterais movem-se em direção da linha mediana dorsal enquanto o espessamento medial acima da notocorda aumenta de tamanho e forma a quilha neural (STRÄHLE; BLADER, 1994). A formação da quilha neural se dá em uma progressão crânio-caudal ao longo do eixo, de forma semelhante à formação do tubo neural dos outros vertebrados (STRÄHLER; BLADER, 1994).
Há muito tem sido proposto que a neurulação em Teleósteos é similar à neurulação secundária que ocorre no broto da cauda dos vertebrados superiores. De acordo com PAPAN e CARLOS-ORTEGA (1994) em muitos aspectos, a formação do tubo neural em peixe-zebra se assemelha à neurulação primária dos outros vertebrados. Visto que o substrato inicial para a formação do tubo neural do tronco em peixes Teleósteos ser epitelial e não mesenquimal, não é correto o uso do termo neurulação secundária aplicado aos Teleósteos. Por outro lado, nos Myxinoids (Hagfish) e Elasmobrânquios a neurulação é primária na região do encéfalo e medula espinhal e secundária, na cauda (LOWERY; SIVE, 2004).

Referências:


GEVERS, P.; TIMMERMANS, L. P. M. Dye-coupling and the formation and fate of the hypoblast in the teleost fish embryo, Barbus conchonius. Development 112: 431-438, 1991.
HARI, Nathan H. Fertilization in teleost fishes: Mechanisms of sperm-egg interactions. Int Rev Cytol 121: 1-66, 1990.
HEISENBERG, C. P.; TADA, M. Zebrafish gastrulation movements: bridging cell and developmental biology. Sem Cell Devel Biol 13: 471-479, 2002.
HO, R. K. Cell movements and cell fate during zebrafish gastrulation. Development (Supp) 65-73, 1992.
YAMAMOTO, K. Cleavage pattern and formation of the blastocoel in the egg of the eel, Anguilla japonica. Jap J Ichthyology 27 (4): 301-308, 1981.
IWAMATSU, 2004.
KIMMEL, C. B.; LAW, R. D. Cell lineage of zebrafish blastomers I. Cleavage pattern and cytoplasmic bridges between cells. Devel Biol 108: 78-85, 1985.
LENTZ, T. L.; TRINKAUS, J. P. A fine structural study of cytodifferentiation during cleavage, blastula, and gastrula stages of Fundulus heteroclitus. J Cell Biol 32: 121-133, 1967.
LOWERY, L. A.; SIVE, H. Strategies of vertebrate neurulation and a re-evaluation of teleost neural tube formation. Mech Devel 121: 1189-1197, 2004.
MARQUES, C.; NAKAGHI, L. S. O.; FAUSTINO, F. et al. Observation of the embryonic development in Pseudoplatystoma coruscans (Siluriformes: Pimelodidae) under light and scanning electron microscopy. Zygote 16: 333-342, 2008.
MONTERO, J. A.; CARVALHO, L. et al. Shield formation at the onset of zebrafish gastrulation. Development 132: 1187-1198, 2005.
SCHMITZ, B.; PAPAN, C.; CAMPOS-ORTEGA, J. A. Neurulation in the anterior trunk region of the zebrafish Brachydanio rerio. Roux´s Arch Dev Biol 202:250-259, 1993.
STRÄLER, U.; BLADER, P. Early neurogenesis in the zebrafish embryo. FASEB J 8: 692-698, 1994.
SUBRAMANIAN, P.; MARIMUTHU, K.; KARUPPASAMY, R.; HANIFFA, M. A. Early embryonic and larval development of Indian catfish, Heteropneustes fossilis. EurAsia J Biosci 3: 84-96, 2009.
WARGA, R. M.; KIMMEL, C. B. Cell movements during epiboly and gastrulation in zebrafish. Development 108: 569-580, 1990.
WOOD, A.; TIMMERMANS, L. P. M. Teleost epiboly: a reassessment of deep cell movement in the germ ring. Development 102: 575-58